A
configuração da questão agrária
brasileira

Vejamos,
a título de conclusão, quais são
as principais estruturas da questão agrária
brasileira que pudemos apreender. O mapa acima e os
modelos gráficos a seguir, desenvolvidos a partir
dos diversos mapeamentos realizados no Atlas, são
resultado de um esforço para compreender essas
configurações no território brasileiro.

A
primeira estrutura elementar é o que chamamos
de três campesinatos(36) . O campesinato
tem importância demográfica e ocupacional
significativa em três regiões brasileiras:
Sul, Nordeste e Norte. O campesinato do Sul, formado
a partir da imigração européia
para a colonização da região, é
caracterizado por sua agropecuária diversa e
dinâmica. É este campesinato que permite
que o Sul faça parte da principal região
agropecuária do país. A produção
agropecuária do campesinato do Sul é diversificada,
com alto grau de produtividade e grande produção.
Dentre os três campesinatos, este é o que
está inserido de forma mais contundente no mercado.
Na composição da população
da região Sul ele é importante, de forma
que tem papel destacado na ocupação da
PEA regional. Seus indicadores de qualidade de vida
e renda são positivos, ultrapassando as médias
nacionais. Na luta pela terra, tem grande representatividade
e significado, haja vista que o campesinato da região
Sul é um dos berços do MST e as ocupações
de terra aí são numerosas. O segundo campesinato
é o do Nordeste. Assim como a região na
qual está inserido, ele é marcado pelas
perdas, expressas principalmente pela baixa produtividade
da agropecuária e utilização de
meios de produção precários, o
que tem como resultado as baixas rendas e indicadores
sociais negativos. A principal causa da deficiência
deste campesinato está na incapacidade do Estado
em promover obras que consigam superar o clima árido
da região, o que tem impossibilitado o desenvolvimento
da agricultura de forma satisfatória. Na verdade,
o Estado não foi capaz sequer de garantir água
para o consumo humano dessa população.
Os projetos localmente restritos de irrigação
beneficiam, de forma geral, os produtores já
capitalizados. São exemplo os projetos de irrigação
para produção frutas, destinadas à
exportação para EUA, Europa e Japão.
O campesinato do Nordeste também é bastante
representativo na composição da população
regional, o que reflete na sua importância na
ocupação da população. Na
luta pela terra teve importância histórica
com as ligas camponesas e hoje é responsável
por grande parte das ocupações de terra
realizadas no país. O terceiro campesinato é
o amazônico. Formado a partir das investidas para
a ocupação da Amazônia, tem presença
marcante dos camponeses nordestinos, que migraram para
a região em busca de melhores condições
de produção e vida. Populações
ribeirinhas caboclas e migrantes do Sul também
são representativas neste campesinato. Projetos
de colonização do Estado, assentamentos
rurais e pequenas posses foram as principais formas
pelas quais este campesinato se implantou na região.
As atividades extrativistas e a pequena produção
agropecuária para abastecimento regional são
características marcantes. Como no campesinato
do Nordeste, no campesinato amazônico os baixos
rendimentos e os indicadores sociais abaixo da média
expressam a qualidade de vida precária dessa
população. A violência sofrida por
este campesinato é intensa e é resultado
da dos avanços do latifúndio sobre o território
camponês.

A
segunda estrutura elementar da questão agrária
no Brasil é a fronteira agropecuária.
A região dos cerrados e a Amazônia se tornaram,
a partir do final da década de 1960 e início
da década de 1970, a nova fronteira agropecuária
brasileira. Esse processo não foi espontâneo,
mas uma decisão da ditadura militar que, além
de não realizar a reforma agrária, apresentava
o discurso fantasioso e contraditório da necessidade
de ocupação do território para
garantir sua soberania, o que se torna cômico
se observarmos o modelo alienígena de agricultura
predominante nas regiões da fronteira agropecuária
que conduziram. Os governos seguintes mantiveram o avanço
do processo, que não demonstra sinais de estabilização.
A ocupação da região é marcada
por crimes contra o homem e contra a natureza, explicitados
na violência contra trabalhadores rurais e camponeses,
devastação ambiental, crimes na apropriação
privada da terra (grilagem) e beneficiamento do grande
capital na aquisição de terras públicas.
Na frente pioneira, localizada nas margens da floresta
amazônica, o crescimento demográfico, desflorestamento
e crescimento da pecuária bovina são característicos.
Ela está em constante avanço para o interior
da Amazônia, onde a floresta é progressivamente
suplantada. O desflorestamento apresenta sinais muito
tímidos de redução. O Estado atua
no incentivo à ocupação da região,
mesmo sabendo que isso não contribui para o desenvolvimento
socioeconômico do país. Um exemplo recente
é o investimento na ampliação e
consolidação da rede rodoviária
na Amazônia, em especial da BR-163, que será
provavelmente o mais importante eixo de destruição
da floresta nos próximos anos. Não há
necessidade socialmente justificável de avançar
na ocupação da Amazônia, sendo que
a forma ilegal, especulativa e concentradora de apropriação
privada da terra que ocorre neste processo só
contribui para o agravamento da questão agrária.

Associada
à fronteira agropecuária está outra
estrutura elementar da questão agrária
brasileira: o processo migratório. A migração
para a fronteira agropecuária a partir do final
da década de 1960 e início da década
de 1970 foi ocasionada principalmente pela modernização
da agricultura e conseqüente êxodo rural,
pela não realização da reforma
agrária nas áreas já densamente
ocupadas e pela não solução do
problema da seca e da pobreza no Nordeste. Existem duas
frentes fundamentais de migração para
a região da fronteira agropecuária: uma
é proveniente do Sudeste e majoritariamente do
campesinato do Sul, de onde partiram camponeses em busca
de novas terras, seja pelo processo de expropriação
ou pelo extremo parcelamento das propriedades. Esta
frente se estabeleceu principalmente em Rondônia,
Mato Grosso e oeste da Bahia, sendo pouco intensa na
atualidade. A segunda frente é proveniente do
campesinato do Nordeste, importante principalmente para
trabalhar nos seringais na Amazônia e para colonizar
a porção oriental da região, que
compreende parte do estado do Maranhão. Esses
camponeses nordestinos, empobrecidos ou expropriados,
assim como os do Sul, são atraídos pela
fronteira na busca de novas terras, mas também
de trabalho. Esta frente migratória é
mais ativa na atualidade e a migração
dos trabalhadores tem como destino principal o sudeste
do Pará. Além das duas frentes, é
possível verificar um fluxo migratório
interno na fronteira agropecuária, que parte
de Mato Grosso em direção a Rondônia
e ao Pará. A migração para a fronteira
agropecuária e na fronteira agropecuária
constitui um indicador que a ocupação
da região é um processo em marcha.

Quando
analisamos a produção agropecuária
brasileira, verificamos uma região que concentra
diversidade, dinamismo e produtividade, de forma que
constitui mais uma estrutura elementar para entender
o Brasil agrário. Compreendendo a região
Sul, o estado de São Paulo, a metade sudoeste
de Minas Gerais e o Sul de Goiás, esta região
é responsável por grande parte da produção
agropecuária brasileira, tanto em quantidade
quanto em diversidade; para o mercado interno e para
exportação. Na metade sul desta região
predominam as relações camponesas de produção
e, na porção norte, as relações
de assalariamento. Nesta principal região agropecuária
do país também se verifica a maior difusão
da mecanização e das práticas modernas
em relação ao restante do Brasil, salvo
em comparação com a região do agronegócio
especializado dos cerrados. Na sua porção
norte, apesar da grande produção, produtividade
e diversidade, é inegável a existência
de terras ociosas ou com prática pecuária
muito extensiva, além da maior concentração
da terra. Porém, mesmo com sua importância,
devido à proximidade com grandes centros consumidores
e pela intensa atuação dos movimentos
socioterritoriais, a reforma agrária necessária
nesta região não é realizada. O
que acompanhamos atualmente é a transformação
dessas áreas ociosas e subutilizadas em lavouras
de cana-de-açúcar, sendo que mesmo as
áreas desta região utilizadas com outras
culturas têm sido transformadas em canaviais.
A não realização da reforma agrária
no norte desta importante região agropecuária
do país reserva as terras ao capital, o que dificultará
ainda mais a sua realização através
dos princípios constitucionais.

O
agronegócio, em especial aquele desenvolvido
no Centro-Oeste brasileiro, constitui outra estrutura
elementar da questão agrária brasileira.
A produção agropecuária na região
é determinada pela demanda e mando internacional,
refletindo o caráter neoliberal do sistema. Em
especial na região da fronteira agropecuária,
o agronegócio atua de forma cooperativa com o
latifúndio, que é responsável pela
apropriação fraudulenta e/ou injusta da
terra e pela destruição da floresta em
parceria com madeireiras e carvoarias, sendo associado
a este processo uma pecuária bovina extremamente
extensiva. O agronegócio sucede o latifúndio
ocupando as áreas com a produção
de grãos. A produção do agronegócio
na região dos cerrados e, já atualmente
em áreas da Amazônia, é desenvolvida
segundo os padrões determinados pelas tradings
do agronegócio. Apesar do sistema agronegócio
estar presente em todo o país, inclusive cooptando
a agricultura camponesa, é no Cerrado que este
sistema apresenta sua forma mais contundente, estabelecendo
um território absoluto. Os estados do Centro-Oeste,
em especial Mato Grosso, o oeste da Bahia e, mais recentemente,
o sul do Maranhão e do Piauí (os dois
estados com as piores condições de vida
do país), formam os territórios do agronegócio
no Brasil. Nesses territórios, o capital determina
o sentido do “desenvolvimento” e sucumbe
a natureza, o homem e a nação. A territorialização
deste sistema sobre a Amazônia já é
uma realidade. A maior parte da produção
do agronegócio é exportada para alimentar
rebanhos nos países desenvolvidos, enquanto que
no Brasil existem cerca de treze milhões de seres
humanos desnutridos. Isso demonstra o caráter
alheio aos interesses sociais do país segundo
o qual opera o agronegócio. Esse sistema é
totalmente contrário à soberania alimentar,
que pressupõe que um povo deve ter as possibilidades
de produzir seu próprio alimento e somente o
excedente ao atendimento das necessidades deste povo
deve ser exportado. O agronegócio pode não
ser tão problemático nos países
desenvolvidos, mas nos países subdesenvolvidos
onde se instala só contribui para aumentar a
desigualdade e é mais uma forma de reafirmar
a divisão internacional do trabalho, que afronta
a inteligência dos povos até recentemente
colonizados de forma declarada. O agronegócio
é mais uma faceta da globalização
perversa e deve estar no centro das discussões
para o estabelecimento de um mundo mais igualitário.

As
ocupações de terra e os assentamentos
rurais são estruturas elementares da questão
agrária brasileira. As ocupações
de terra, principal forma de luta dos movimentos socioterritoriais
camponeses no Brasil, é uma ação
que caracteriza e particulariza a questão agrária
no país. O objetivo das ações dos
movimentos socioterritoriais é denunciar os problemas
agrários e reivindicar soluções.
Sem essas ações a configuração
da questão agrária brasileira seria certamente
ainda mais perversa do que a atual. A luta pela terra
ocorre nas regiões de ocupação
consolidada, principalmente Sul, Sudeste e em regiões
do Nordeste, onde o desenvolvimento da agricultura camponesa
de forma autônoma seria mais bem sucedido, pois
são áreas com maior mercado consumidor
potencial e com melhor infra-estrutura e acesso a serviços
básicos. Os assentamentos rurais são as
principais conquistas da luta dos movimentos socioterritoriais
e constituem a política através da qual
os governos têm desenvolvido ações
de reforma agrária no país. Embora os
assentamentos rurais estejam concentrados na região
da fronteira agropecuária, a sua superfície
em relação à área total
dos imóveis rurais nessa região não
é predominante, de forma que a ocupação
de novas áreas na fronteira agropecuária
é efetivada predominantemente por ações
de particulares e não por assentamentos rurais.
O assentamento das famílias nem sempre resolve
os problemas agrários locais, pois os governos
têm utilizado a fronteira agropecuária
como região privilegiada para a criação
de assentamentos rurais não reformadores. Isso
permite manter concentrada a estrutura fundiária
das regiões de ocupação consolidada,
cujas potencialidades para o desenvolvimento da agricultura
camponesa são maiores. Os modelos gráficos
das ocupações de terra e dos assentamentos
rurais demonstram a oposição territorial
entre essas duas etapas da luta pela terra. A geografia
dessas ações desvenda a ineficácia
regional da política de assentamentos rurais
para a solução dos problemas da questão
agrária. Assim, fica claro o objetivo dos governos
em utilizar os assentamentos rurais como uma resposta
simplesmente quantitativa à sociedade frente
às ações dos movimentos socioterritoriais.
Apesar de tudo, os assentamentos representam algum grau
de reforma da estrutura agrária do país,
mas uma reforma conservadora. É preciso que eles
sejam instrumentos de uma real reforma que desterritorialize
o latifúndio e territorialize o campesinato;
o último deve suplantar o primeiro. Só
assim e, privando pela qualidade dos assentamentos,
é que esta opção política
de “reforma” pode surtir algum efeito na
resolução dos problemas agrários
e promoção do desenvolvimento.

A
última estrutura elementar que destacamos é
a violência contra camponeses e trabalhadores
rurais, o que sem dúvidas confirma de forma mais
contundente que a questão agrária brasileira
se caracteriza como um problema a ser urgentemente resolvido.
A violência contra os camponeses e trabalhadores
rurais é deflagrada por fazendeiros e grileiros.
A violência física e/ou direta contra a
pessoa, caracterizada por assassinatos, ameaças
de morte, tentativas de assassinato e agressões
físicas é a forma mais grave, porém
as posses e propriedades de camponeses e trabalhadores
rurais também sofrem violência, seja através
das expulsões, feitas pelos mesmos fazendeiros
e grileiros, seja pelos despejos, executados pelo Estado.
Embora possa ser verificada por todo o Brasil, a fronteira
agropecuária, em especial o sudeste do Pará
e o leste do Maranhão, concentram a maior parte
dessas violências. É aí que os territórios
do campesinato e do latifúndio e agronegócio
competem mais diretamente. O campesinato, formado por
pequenos posseiros e pelos assentados, sofre violência
dos fazendeiros e grileiros, que os expulsam da terra
para dela se apropriarem com fins especulativos. Contra
os trabalhadores rurais a violência se manifesta
também na forma de trabalho escravo, escancarando
a contradição do capitalismo agrário
brasileiro. Esta forma de exploração do
trabalho é emprega principalmente em atividades
características da fronteira agropecuária,
contudo não raro é a verificação
de casos no “moderno” agronegócio
do sudeste. A questão é que a violência
contra os mais fracos é parte integrante questão
agrária brasileira, que espelha os valores e
práticas das classes dominantes que têm
se apropriado da riqueza do país e utilizado
o grande exército de reserva formado pelos trabalhadores
brasileiros. Não bastassem os baixos salários,
a escravidão é mais comum do que se imaginava
no campo brasileiro.
Para
entender a questão agrária brasileira
é indispensável ter em mente as oito estruturas
elementares que destacamos, pois elas indicam a essência
territorial e estrutural do problema. As discussões
teóricas e análises desenvolvidas no Atlas
indicam que a promoção de um desenvolvimento
amplo no Brasil passa pelo equacionamento dos problemas
da questão agrária que, juntamente com
outros problemas estruturais do país, constituem
a base da desigualdade e concentração
socioterritorial que caracteriza o Brasil. A natureza
estrutural dos problemas da questão agrária
exige ações que vão além
do desenvolvimento permitido pelo modelo capitalista
neoliberal, adotado na política agrária
brasileira. Desta forma, para o estabelecimento de um
programa de desenvolvimento agrário no Brasil,
é preciso reconhecer e centralizar as ações
em dois elementos estruturais para a resolução
da questão. A primeira assumpção
é reconhecer que a terra, por seu interesse social,
se diferencia dos outros bens passíveis de apropriação
privada. Ela constitui a base para a existência
humana e, por isso, sua detenção (posse
ou propriedade) só pode ser legitimada aos que
façam cumprir o seu papel social. O uso da terra
com reserva de valor para fins especulativos deve ser
abolido e o respeito ao cumprimento da função
social deve ser determinante. Com a consolidação
desta assumpção, no Brasil, onde as terras
subutilizadas ou não utilizadas perfazem milhões
de hectares, o acesso à terra como um dos problemas
da questão agrária deixaria de existir.
A segunda assumpção passa pelo reconhecimento
do fato de que a agricultura camponesa permite o estabelecimento
da função social da terra de forma mais
adequada, pois a tem como local de vida, produção
e reprodução social. Além disso,
está comprovado que a agricultura camponesa é
mais importante, pois produz a maior parte dos produtos
agropecuários consumidos internamente e ainda
contribui para a produção para exportação.
Reconhecer a importância social da agricultura
camponesa implica em direcionar esforços para
sua consolidação e expansão em
detrimento do latifúndio e agronegócio.
Só desta forma os problemas da questão
agrária serão minimizados e o desenvolvimento
poderá realmente ocorrer com a superação
dos conflitos.
O estabelecimento de um outro modelo de desenvolvimento
rural passa pela adoção de uma entre duas
formas de intervenção do Estado. Na primeira
possibilidade o Estado, por optar em não alterar
as regras e ações do modelo agrícola
dominante na agricultura, a exemplo do que ocorre nos
países desenvolvidos, interferiria na economia
agrícola, dominada pelo sistema do agronegócio
de caráter neoliberal, para resolver os problemas
sociais por ele causados no campesinato, impedindo desta
forma a sua pauperização e a conseqüente
desintegração. Para esta primeira opção
é necessário conceber a agricultura camponesa
como prioritária e dirigir as ações
exclusivamente para esses estabelecimentos, já
que os grandes estabelecimentos são “aptos”
para atuar no sistema do agronegócio. Isso proporcionaria
maior estabilidade, desempenho da agricultura e qualidade
de vida para os camponeses e, por conseqüência,
para toda a sociedade brasileira. Os investimentos do
Estado são direcionados à correção
das perdas dos camponeses na concorrência direta
com o sistema do agronegócio. Por isso, esta
opção, por não se desvencilhar
do capitalismo neoliberal e exigir investimento constante
e crescente do Estado, caracteriza ônus à
sociedade em favor dos lucros exploratórios obtidos
pelo complexo de sistemas do agronegócio. A segunda
opção seria mais drástica e consistiria
na ruptura com o sistema agrícola neoliberal
e na regulação restritiva das ações
do complexo de sistemas do agronegócio na agricultura,
tendo como objetivo, assim como na primeira opção,
impedir a pauperização e desintegração
do campesinato. Esta opção, de base estrutural,
certamente implicaria na retirada dos grandes agentes
internacionais do complexo do agronegócio, já
que seu objetivo primordial é o lucro. Com isso,
além de interventor na economia através
de subsídios, caberia também ao Estado
aumentar sua atuação na estruturação
do modelo agrícola. Esta concepção
traz para o Estado o que é lhe cabe por princípio:
a distribuição das riquezas do país
e a garantia do bem-estar comum.
Na atual conjuntura, nenhuma dessas duas possibilidades
de desenvolvimento rural tem indícios de ser
adotada no Brasil. Isso, porém, não é
motivo para não reconhecê-las como as mais
eficazes e necessárias para o desenvolvimento
do país. Concordar com o que está posto
e propor remendos sociais é uma opção,
da qual não compartilhamos. É certo e
inegável que o sistema estabelecido, porém
nunca definitivo, deve ser alterado profundamente e
da forma mais abrupta possível. A mudança
gradual é fantasiosa, basta pensarmos no que
se progrediu no último século a respeito
da equidade social no Brasil e, mais especificamente,
na questão agrária. Quem aguarda a mudança
progressiva prometida vai sempre esperar. A questão
é quem espera e como espera. Uma boa referência
é tomar um casebre ou uma barraca de lona (preta),
a fome, a sede e o maltrapilho. Não podemos aceitar
que outras tantas gerações de brasileiros,
com direitos iguais sobre a riqueza da terra, sejam
condenadas à sobrevivência e à pobreza
enquanto a riqueza é apropriada por um pequeno
grupo de favorecidos. É neste contexto que a
Geografia, ciência social, ganha importância
com suas “invenções”: formas
mais adequadas e eficientes de organizar e reorganizar
de maneira mais justa o espaço geográfico.
Apenas diagnosticar não basta, é necessário
se posicionar frente ao problema - só assim a
Geografia faz sentido.
Todos os governos brasileiros ignoraram, por opção
política, as indicações dos camponeses,
trabalhadores rurais e estudiosos da questão
que demonstram ser indispensável realizar a reforma
agrária no país. Esta opção
tem como objetivo manter as características estruturais
de concentração de poder econômico
e político. O resultado é a continuação
da exploração, violência e devastação
ambiental que configuram a questão agrária
brasileira, que é cada vez mais grave. Além
da reforma agrária não ser realizada nas
regiões já densamente ocupadas do país,
uma outra frente de problemas é aberta na fronteira
agropecuária em intensa expansão. A ocupação
da Amazônia merece reflexão e ação
destacada no contexto da questão agrária
brasileira, pois até então só tem
apresentado aspectos negativos. O espaço é
produzido nessa região sem um planejamento efetivo
voltado ao desenvolvimento social e se configura como
um espaço ainda mais desigual do restante do
país. A adoção do agronegócio
como sustentador da inserção do Brasil
no capitalismo mundial é uma situação
subordinada que implica no agravamento da questão
agrária no país, pois prevê a territorialização
constante deste sistema em detrimento da agricultura
camponesa. Assim, na conjuntura atual, é nítido
que a questão agrária se agrava a cada
dia. Temos um processo inverso ao que consideramos adequado,
pois os problemas no campo se agravam e a realização
da reforma agrária se torna cada vez mais conflituosa,
e por isso, também mais importante para promover
o desenvolvimento brasileiro.
NOTAS
(36) O modelo das cinco regiões foi proposto
por Théry (2004). Este modelo é exibido
em primeiro lugar e ao lado do modelo dos cinco campesinatos
para que o leitor possa tomá-lo como referência
para a leitura dos oito modelos gráficos propostos
neste capítulo conclusivo do Atlas. |