Abordagens
cartográficas
Compreendemos
que uma abordagem cartográfica é
o conjunto coerente de teoria e metodologia relacionado
à representação espacial e que
possui características particulares que possibilitam
distinguir os mapas elaborados de acordo com seus fundamentos.
As diferentes formas de representação
que caracterizam cada abordagem cartográfica
são resultantes de compreensões diversas
do mapa e do processo cartográfico. As abordagens
cartográficas utilizam um conjunto básico
de técnicas de mapeamento em comum, podendo apresentar
outras técnicas específicas, de acordo
com o conjunto teórico-metodológico particular
a cada uma. Para nossa proposta teórico-metodológica
da Cartografia Geográfica Crítica, consideramos
três abordagens cartográficas intercomplementares:
a semiologia gráfica, a visualização
cartográfica e a modelização gráfica.
Na CGC essas abordagens cartográficas devem ser
utilizadas em conjunto para que o mapeamento possa contribuir
da forma mais significativa possível na análise
do espaço. Vejamos as especificidades de cada
uma dessas abordagens cartográficas.
Semiologia
gráfica
A
obra Semiologia Gráfica: os diagramas, as redes
e os mapas, escrita por Jacques Bertin em 1962, apresenta
os princípios do que ele denominou semiologia
gráfica. Nesta obra, o autor centraliza seus
esforços na normatização da representação
gráfica para o tratamento e comunicação
de informações através de três
elaborações básicas: as redes,
os diagramas e os mapas. Estes são principalmente
elementos de comunicação. O autor define
assim a representação gráfica(46):
A
representação gráfica constitui
um dos sistemas de signos básicos concebidos
pela mente humana para armazenar, entender e comunicar
informações essenciais. Como uma “linguagem”
para o olho, a representação gráfica
beneficia por suas características ubíquas
de percepção visual. Como um sistema
monossêmico, ela forma a porção
racional do mundo da imagem. (BERTIN, 1983 [1962],
p.2).
Bertin
também afirma que para entender a linguagem gráfica
é necessário que a distingamos de outras
formas de linguagem, como a musical, a verbal e a matemática,
as quais são percebidas em seqüência
linear ou temporal. A linguagem gráfica não
deve ser confundida com representações
gráficas polissêmicas como a pintura e
a cinematografia.. (BERTIN, 1983 [1962]).
Uma das principais bases da proposta de Bertin é
a monossemia da representação gráfica.
No sistema monossêmico o significado de cada signo
é conhecido a priori da observação
do conjunto de signos, o que não permite lacunas
para interpretações dúbias sobre
o que determinado signo representa. A monossemia permite
que a leitura dos signos seja padronizada para todos
os leitores. A legenda é o elemento responsável
pela padronização do significado de cada
signo. (BERTIN, 1983 [1962]). A monossemia da representação
gráfica é importante para que não
haja dúvidas sobre o que está representado.
É necessário dizer que a padronização
do significado de cada signo não implica na padronização
da interpretação que cada leitor faz sobre
a representação gráfica, em especial
do mapa. Assim, cada leitor, de acordo com seus conhecimentos
e ideologias, pode estabelecer diferentes relações
entre os mesmos elementos representados.
Ao escrever sobre a representação gráfica
como um sistema visual, Bertin afirma que para a leitura
de uma tabela de dados são necessários
diversos momentos de apreensão da informação,
porém, se os mesmos dados forem representados
graficamente, a sua análise requer somente um
instante de percepção, o que facilita
a comparação. Na representação
gráfica é possível apreender de
uma só vez três variáveis, sejam
elas as duas dimensões do plano e a variação
de símbolo. A eficiência da representação
gráfica está no fato dela ser um domínio
monossêmico de percepção espacial.
(BERTIN, 1983 [1962]). A representação
gráfica permite analises mais completas através
da visualização dos dados, seja considerando
um só componente ou o conjunto de componentes
representados em uma mesma construção
gráfica.
Em uma representação gráfica as
informações (componentes ou variáveis)
são representadas pelas variáveis visuais.
Bertin define oito variáveis visuais: as duas
dimensões do plano (que no caso dos mapas operam
como uma só variável visual), tamanho,
valor, granulação, cor, orientação
e forma. Essas variáveis, quando empregadas no
plano, podem apresentar três tipos de implantação:
ponto, linha e área. A utilização
das duas dimensões do plano é chamada
de implantação. As outras seis variáveis
visuais (tamanho, valor, granulação, cor,
orientação e forma) são nomeadas
variáveis retínicas e sua utilização
chamada de elevação, pois elas são
responsáveis pela representação
de informações impossíveis somente
com as duas dimensões do plano. (BERTIN, 1983
[1962]).
Os componentes podem ser classificados segundo três
níveis de organização: qualitativo,
ordenado e quantitativo.
O
NÍVEL QUALITATIVO: (ou nível nominal)
inclui todos os componentes de simples diferenciação
(comércio, produtos, religiões, cores
...). Envolve sempre duas abordagens perceptuais:
isso é similar àquilo, e eu posso
combinar eles em um mesmo grupo (associação).
Isso é diferente daquilo e pertence a um
outro grupo (diferenciação).
O NÍVEL ORDENADO: envolve todos os conceitos
que permitem um ordenamento dos elementos de maneira
universalmente conhecida (ordem temporal, ordem
de variações sensoriais: frio-morno-quente,
preto-cinza-branco, pequeno-médio-grande;
uma ordem de valores morais: bom-médio-ruim...).
Esse nível inclui todos os conceitos que
nos permitem dizer: este mais do que aquele e menos
do que o outro.
O NÍVEL QUANTITATIVO: (métrico) usado
quando fazemos uso de unidades contáveis
(isso é um quarto, o triplo, ou quatro vezes
aquilo). (BERTIN, 1983 [1962], p.6-7).
Os níveis de organização dos componentes
são sobrepostos: o nível quantitativo
é ordenado e qualitativo, o ordenado também
é qualitativo, mas o qualitativo não é
nem quantitativo nem ordenado, porém pode ser
arbitrariamente reordenável. (BERTIN, 1983 [1962]).
Da mesma forma como os componentes podem ser classificados
segundo níveis de organização as
variáveis visuais também o podem. Para
que um componente possa ser representado eficientemente
é necessário que seja utilizada uma variável
visual com o mesmo nível de organização.
O nível de organização de cada
variável visual é dado por sua capacidade
de representação dos níveis de
organização dos componentes e proporcionar
ao leitor diferentes agrupamentos, distribuições,
associações ou isolamentos dos signos.
Os níveis de organização das variáveis
visuais são seletivo, associativo, ordenado e
quantitativo. (BERTIN, 1983 [1962]).
Uma
variável é SELETIVA (?) quando nos
permite imediatamente isolar todas as correspondências
pertencentes à mesma categoria (desta variável).
Essas correspondências formam “uma família”:
a família dos signos vermelhos, aquela dos
signos verdes; a família dos signos claros,
aquela dos signos escuros; a família dos
signos da direita, aquela dos signos da esquerda
do plano.
Uma variável é ASSOCIATIVA (=) quando
permite agrupamento imediato de todas as correspondências
diferenciadas por esta variável.
Essas correspondências são percebidas
“todas as categorias combinadas”. Quadrados,
triângulos e círculos que são
pretos e do mesmo tamanho podem ser vistos como
signos semelhantes. “Forma” é
associativa. Círculos brancos, cinzas ou
pretos do mesmo tamanho não serão
vistos como similares. “Valor” não
é associativo. Uma variável não
associativa será nomeada dissociativa ( ).
Uma variável é ORDENADA (O) quando
a classificação visual de suas categorias,
de suas etapas, é imediata e universal.
Um cinza é percebido como intermediário
entre o branco e o preto, um tamanho médio
é intermediário entre um pequeno e
um grande; o mesmo não é verdadeiro
para um azul, um verde e um vermelho, os quais,
em um mesmo valor, não produzem imediatamente
uma ordem.
Uma variável é QUANTITATIVA (Q) quando
a distância visual entre duas categorias de
um componente ordenado pode ser imediatamente expressa
por uma relação numérica.
Um comprimento é percebido como igual a três
vezes um outro comprimento; uma área é
quatro vezes outra área. Note que a percepção
quantitativa visual não tem a mesma precisão
das medidas numéricas (se tivesse, os números,
sem dúvida, não teriam sido inventados).
Contudo, frente a dois comprimentos em uma relação
aproximada de 1 para 4, sem auxílio algum,
a percepção visual nos permite afirmar
que a relação não significa
nem 1/2 nem 1/10. A percepção quantitativa
é baseada na presença de uma unidade
que pode ser comparada com todas as categorias na
variável. Não permitindo o branco
o estabelecimento de uma unidade de medida para
o cinza ou preto, relacionamentos quantitativos
não podem ser traduzidos por variação
de valor. Valor pode somente traduzir uma ordem.
(BERTIN, 1983 [1962], p.48).
A figura 10.2 apresenta as variáveis visuais
segundo os tipos de implantação e os níveis
de organização. Destacamos que na elaboração
de mapas as duas dimensões do plano são
comprometidas com a base cartográfica, por isso
os demais componentes são todos representados
pelas variáveis retínicas.

FIGURA
10.2– As variáveis visuais segundo Bertin
Fonte: Bertin (2001)
Outro
elemento importante para o entendimento da proposta
de Bertin (1983) é o conceito de imagem. O autor
usa o termo imagem “para descrever a forma significativa
imediatamente perceptível no instante mínimo
de visualização.” (BERTIN, 1983
[1962], p.151). Para que uma representação
gráfica seja uma imagem é necessário
que os componentes sejam representados por variáveis
ordenadas. Deste modo, para a elaboração
de um mapa imagem, é necessário que a
variável retínica seja ordenada, já
que as duas dimensões do plano também
são. Isso permite que as informações
do mapa imagem sejam apreendidas em um único
instante de observação. Bertin afirma
que uma imagem representa no máximo três
componentes, dois pelas duas dimensões do plano
e um por uma variável retínica. No caso
dos mapas e das redes, são imagens aqueles que
apresentam dois componentes, um pelas duas dimensões
do plano e outro por uma variável retínica
ordenada. As construções gráficas
com mais de três componentes (no caso dos mapas
e das redes, aqueles com mais de dois componentes) não
são como imagens; são várias imagens
e necessitam de diversos instantes de percepção
para que as informações sejam apreendidas.
Para casos em que seja necessário representar
diversos componentes, o autor propõe a elaboração
de uma imagem para cada componente e em seguida a criação
de uma representação gráfica que
leve em consideração todos os componentes.
Este procedimento possibilita a resposta de todos os
tipos de questões possíveis à informação.
(BERTIN, 1986 [1977]).
As considerações de Bertin (1983 [1962])
vão além do exposto aqui. O autor também
aborda no trabalho outros detalhes sobre a elaboração
de redes, diagramas e mapas. Quanto às suas considerações
sobre os mapas, o autor analisa ainda, dentre outros
temas, a questão da escala, projeção
e tipos de mapas. A semiologia gráfica é
a base essencial para o mapeamento porque apresenta
as regras para obtenção do melhor resultado
para a comunicação através do mapa.
Por este motivo, as demais abordagens cartográficas
estão baseadas na semiologia gráfica,
porém avançam em relação
à investigação através do
mapa e à sua discursividade.
Visualização
cartográfica
A
visualização cartográfica consiste
em descobrir e gerar novas informações
através do mapeamento. Ela é resultado
da evolução das técnicas de exploração
de informações com o uso do computador
no mapeamento, o que permitiu agilidade no trabalho
com grandes volumes de dados. Segundo MacEachren e Ganter
(1990) a visualização cartográfica
está inserida no desenvolvimento da exploração
de informações através da visualização
científica e implica em desenvolver imagens de
informações não visíveis
anteriormente; descobrir através do imageamento.
A visualização não é o resultado
de um processo, mas o processo em si. A Cartografia
ocupa lugar de destaque na visualização.
MacEachren e Ganter apresentam os seguintes pressupostos
sobre a visualização:
1
Visualização é um processo
mental. Como tal, existe por séculos. Este
fato parece ter sido mais visado com o advento recente
acerca da ‘visualização’
computadorizada;
2 Gráficos de computadores podem facilitar
a visualização. Ênfases recentes
têm sido em como gerar imagens, mais do que
como as imagens podem gerar novas idéias;
3 O objetivo da visualização cartográfica
(como de qualquer forma de visualização
científica) é produzir uma compreensão
científica pela facilitação
da identificação de padrões,
relações e anomalias nos dados;
4 A reestruturação dos problemas (olhando
para eles a partir de uma nova perspectiva) é
a chave para a compreensão;
5 Gráficos desenhados simplesmente para ‘comunicar’
o que já sabemos não promovem as novas
perspectivas necessárias para alcançar
a compreensão do desconhecido. (MACEACHREN
e GANTER, 1990, p.65).
Duas
definições de visualização
cartográfica estão presentes no trabalho
de MacEachren. A primeira diz que a visualização
seria possível tanto em meios analógicos
quanto em meios digitais, desde que torne problemas
espaciais visíveis. (MACEACHREN et al., 1992
apud SLOCUM, 1999). Já a segunda definição
de visualização cartográfica está
mais ligada ao uso da informática e ambientes
de alta interatividade entre homem e mapa, sendo pautada
na comparação com a comunicação
cartográfica, como demonstra a figura 10.3. O
autor propõe que essas duas abordagens são
extremidades de uma escala de gradação
e que se diferenciam segundo três características.
As características da comunicação
cartográfica são: a) atividade publica
(ou seja, direcionada à publicação
e leitura); b) baixo nível de interatividade
entre homem e mapa (seja esta relação
mapeador-mapa ou usuário-mapa) e c) objetivação
principalmente de apresentar informações
já conhecidas. Ao contrário, a visualização
cartográfica tem como características:
a) ser uma atividade privada, ou seja, o mapa é
utilizado como instrumento de investigação,
apesar de manter a propriedade de comunicação;
b) alto nível de interatividade entre homem e
mapa e c) objetivação de revelar informações
desconhecidas. (MACEACHREN, 1994 apud SLOCUM, 1999).
Diferente da comunicação cartográfica,
a visualização cartográfica prevê
a utilização do mapa como instrumento
de investigação na análise espacial.
Enquanto o princípio da comunicação
cartográfica é representar (e comunicar)
informações conhecidas, a visualização
cartográfica visa colocar questões sobre
o que ainda não conhecemos. (MACEACHREN e GANTER,
1990). Segundo Crampton (2001) a visualização
consiste em uma ruptura com o modelo da comunicação,
pois opta pela polissemia e multiplicidade em detrimento
da monossemia, pela “exploração
ao invés da apresentação e da contingência
no lugar da finalidade.” (p.244).

FIGURA
10.3 – Cubo de MacEachren
Fonte: MacEachren (1994)
Antes
do advento da informática, a visualização
era incipiente e morosa e só se tornou realmente
viável através das possibilidades de exploração
de grandes quantidades de dados e alta interatividade
mapeador/usuário-mapa. As principais ferramentas
advindas com o uso do computador e que possibilitam
a visualização cartográfica são
os Sistemas de Informações Geográficas
(SIG), os atlas interativos (em que o usuário
tem acesso à um banco de dados e pode cruzar
as informações), as animações
(nas quais é possível apreender a dimensão
temporal) e a cartomática(47) . Segundo
Waniez (2002) o termo cartomática foi cunhado
por Brunet (1987) e agrupa Cartografia e automática;
refere-se “ao conjunto de procedimentos matemáticos
e gráficos destinados a traduzir sobre uma base
cartográfica a variação espacial
de uma variável estatística” (WANIEZ,
2002, p.47). A utilização de ferramentas
da informática no trabalho com os dados estatísticos
está diretamente ligada à cartomática.
(WANIEZ, 2002).
Por ser uma ferramenta de grande potencialidade, o SIG
geralmente inclui também as ferramentas cartomáticas,
porém, existem programas específicos para
o trabalho com dados estatísticos. Um deles é
o Philcarto (WANIEZ, 2008). Este programa inclui, além
de ferramentas básicas de mapeamento, técnicas
de análise estatísticas como gráfico
bivariável, diagrama triangular, análise
de correlação espacial, suavização
de dados, análise de superfície de tendência,
análise multivariada (análise de componentes
principais e também classificação
hierárquica ascendente), dentre outras. A possibilidade
de representar instantaneamente uma mesma variável
de diversas formas é uma prática inerente
à visualização cartográfica,
pois consiste em uma forma de explorar os dados, observar,
apreender e correlacionar o fenômeno espacialmente,
o que possibilita elaboração de questionamentos
e o descobrimento de novas informações.
Embora a semiologia gráfica esteja muito mais
ligada à comunicação cartográfica,
seus princípios básicos são utilizados
na visualização cartográfica. O
que as diferencia é a função do
mapa, muito mais abrangente e provedora de possibilidades
na visualização. As possibilidades da
visualização cartográfica confere
ao mapa um outro papel no interior da Geografia. Antes,
o mapa estava ligado quase exclusivamente ao armazenamento
e comunicação das informações
espaciais, hoje, porém, com a visualização
cartográfica, ele se tornou um instrumento de
pesquisa que possibilita novas descobertas, revela padrões,
formas, relações e dissimetrias no espaço.
Neste contexto, a visualização cartográfica
reafirma a necessidade e a potencialidade da elaboração
e uso do mapa na Geografia.
Modelização
gráfica ou coremática
A
modelização gráfica ou coremática
é uma proposta do geógrafo francês
Roger Brunet e diversos autores têm colaborado
para o seu desenvolvimento. O primeiro artigo sobre
o tema foi publicado por Brunet na revista L`espace
géographique em 1980 e a referência mais
completa está no livro Le déchiffrement
du monde: théorie et pratique de la géographie
(BRUNET, 2001 [1990]). Nessa obra a coremática
está inserida na ampla proposta de análise
espacial do autor, por isso, vai além de uma
metodologia para a representação do espaço.
A teoria que é inerente à coremática
tem relação com todo o conjunto teórico
da Geografia.
A coremática tem como propósito analisar
os sistemas de forças resultantes da interação
entre os diferentes atores na produção
do espaço geográfico (ver seção
1.1). Esses sistemas de força, ou sistemas geográficos,
produzem as figuras geográficas, que “são
expressão de estruturas elementares pelas quais
passa o domínio do espaço”. (p.195).
Segundo Brunet (2001 [1990]) as figuras geográficas
são recorrentes e por isso ele propõe
um conjunto de 28 delas que são chave e compõem
a base de um alfabeto geográfico. A essas figuras
Brunet dá o nome de corema (chorème),
com referência ao radical grego que designa espaço.
A figura 10.4 mostra os 28 modelos que representam os
coremas a partir de quatro elementos de base: ponto,
linha, área e rede. “Os coremas, enquanto
estruturas, são abstrações. [...]
não se desenha uma estrutura, mas um modelo.”
(p.198-9). Com esta frase Brunet explicita a diferença
entre corema e modelo. O corema é a abstração
que fazemos quando lemos a realidade, é o real
que apreendemos e representamos através dos modelos
gráficos. O modelo espacial é a representação
da visão que temos da realidade, do espaço,
de seu arranjo, formas, organizações ou
estruturas; ele é uma “representação
formal de um fenômeno.” (p.332). A subjetividade
do modelo gráfico é bem expressa por Ferras
(1993) “o modelo gráfico propõe
uma representação (e não a representação)
de uma realidade geográfica” (p.9). Como
uma caricatura, o modelo retém somente alguns
elementos do real. O espaço geográfico
é formado por um conjunto de coremas em composição.
Essas composições de coremas são
as mais variadas, porém Brunet percebeu que algumas
são recorrentes e deu a elas o nome de corotipos
(chorotypes).

FIGURA
10.4 – Coremas propostos por Brunet
Fonte: Brunet (1990)
Brunet (1980) destaca que os principais modelos são:
gerais, regionais, elementares e específicos.
Modelos gerais: são aqueles modelos presentes
nos manuais de Geografia, tais como o modelo de Christaller
e de von Thünen, são concebidos como aplicáveis
ao mundo todo e possuem geralmente expressão
matemática e gráfica(48). Modelos
regionais: têm aplicação restrita
temporal e espacialmente, porém são aplicáveis
a um número elevado de casos. São representações
de tipos particulares de organização.
Modelos elementares(49): trata-se da representação
de estruturas de base da organização espacial.
Eles são os componentes dos modelos específicos.
Cada modelo elementar é uma dimensão do
modelo específico. Modelos específicos:
são os modelos que representam uma organização
única. Eles não são transponíveis
para outros lugares. Nos modelos específicos
não se compara o objeto a um modelo de referência,
mas se compara um objeto a outro e procura-se compreender
a estrutura do objeto. (BRUNET, 1980). Interessam para
a modelização gráfica os modelos
regionais, elementares e específicos.
Segundo Théry (2004) existem três hipóteses
básicas que fundamentam a modelização
gráfica. A primeira é de que “cada
lugar situa-se numa série de ‘campos’
que estruturam o espaço, cuja interferência
local forma um sistema; que cada situação
define-se em relação a fluxos, por conseguinte
em relação a centros, direções,
limites.” (p.179). A segunda hipótese “[...]
é que estas estruturas e as suas combinações
podem ser representadas por modelos. Estes [...] são
simplificados, redutores provisórios, constituindo
uma abordagem simplificada da complexidade [...].”
(p.179). A terceira hipótese é a de que
estes
modelos podem ter uma expressão gráfica.
A expressão gráfica tem sobre o discurso
linear a superioridade de poder ser apreendida no
espaço e, por conseguinte, de ser melhor
adaptada para simbolizar a organização
espacial, de ser mais sintética e ter neste
domínio uma melhor eficácia demonstrativa.
Essa premissa supõe, contudo, que tenhamos
em conta as regras da semiologia
gráfica, que produzamos “imagens
para ver” e não “imagens
para ler”, segundo a distinção
de Jacques Bertin.
(THÉRY, 2004, p.179, grifo nosso).
Théry
(2004) e Waniez (2002) apresentam alguns modelos elementares
que compõem o modelo específico do Brasil
(figura 10.5). Uma das críticas à modelização
gráfica é que os territórios analisados
são geralmente representados por figuras geométricas,
geralmente círculos, triângulos e quadrados.
Par demonstrar que isso não constitui um problema
para a modelização gráfica, Théry
(2004) apresenta, ao lado de cada modelo elementar,
o correspondente aplicado ao limite territorial do Brasil.
Waniez (2002) considera alguns outros modelos elementares
importantes para o entendimento da configuração
espacial brasileira: a dispersão(50)
do crescimento, as redes de comunicação
e a malha estadual.

FIGURA
10.5 – Exemplos de modelos elementares do Brasil
Segundo
Théry (2004) a construção de modelos
gráficos é a busca das estruturas fundamentais
do espaço e das lógicas que deram origem
à sua configuração, sendo a escala
de trabalho um fator indiferente nesta abordagem. Para
que um modelo gráfico seja eficiente ele deve
“dar conta das localizações, das
configurações espaciais observadas, de
justificar, pelo jogo das interações,
combinações e de algumas contingências
locais, todas as irregularidades e deformações
que aparecem.” (THÉRY, 2004, p.181). Para
Ferras (1993) a modelizaçao depende de cinco
habilidades: “1) a escolha de elementos significativos
na complexidade do real; 2) evidenciá-los e relacioná-los;
3) domínio dos procedimentos técnicos;
4) proposição de um todo coerente e lógico;
5) uma generalização para comparações
possíveis.” (p.43).
O que interessa à modelização gráfica
não é estabelecer um modelo de espaço,
mas sim identificar as suas estruturas e representá-las
através de um modelo gráfico; uma forma
sucinta que compreenda os fenômenos geográficos
estruturais de interesse do autor. A partir das elaborações
teóricas e práticas da modelização
gráfica é possível lançar
mão de argumentos para explicar o espaço
geográfico e, ao mesmo tempo, elaborar questões
com base nas configurações verificadas.
Além de servir à análise regional,
a modelização gráfica é
destacadamente um instrumento de comunicação
da informação espacial. A coremática
constitui a etapa mais avançada da análise
espacial por meio do mapa, pois, embora o resultado
final do exercício não seja um mapa, a
elaboração dos modelos só é
possível a partir do entendimento das estruturais
verificadas em conjuntos de mapas anteriormente analisados
pelo pesquisador. Para a elaboração dos
modelos é necessário que o autor trabalhe
com a semiologia gráfica e a visualização
cartográfica. Modelos e mapas não substituem
uns aos outros; eles são complementares. Subjetividade
e intencionalidade são cruciais na elaboração
dos modelos. É com a modelização
gráfica que o discurso geográfico sobre
o espaço - e isso inclui o discurso crítico
- atinge seu auge. Por isso a importância da modelização
gráfica para a proposta de uma Cartografia Geográfica
Crítica.
Próxima
seção -> Proposta
teórico-metodológica da Cartografia Geográfica
Crítica
NOTAS
(46) N.T.: o termo original em francês é
graphique, traduzido aqui como representação
gráfica. Na tradução da obra La
graphique et le traitement graphique de l’information
(BERTIN, 1977), o termo graphique foi traduzido como
neográfica (A neográfica e o tratamento
gráfico da informação) (BERTIN,
1986 [1977]).
(47) N.T.: o termo utilizado por Waniez (2002) em francês
é cartomatique.
(48) Acreditamos que a referência de Brunet (1980)
a modelos como de von Thünen e Christaller não
cabe mais no estágio atual de desenvolvimento
da modelização gráfica, cujo objetivo
não é procurar estabelecer um padrão
para o espaço, mas sim representar e analisar
suas principais estruturas. O modelo a que se refere
a modelização gráfica não
deve ser compreendido como uma generalização
dos arranjos, formas, organizações ou
estruturas do espaço, mas sim como uma generalização
da forma de representá-los.
(49) O modelo elementar também é chamado
de modelo teórico de base por Brunet (ver BRUNET,
1980, p.257), ou então estruturas elementares
(ver HEES et al., 1992, p.3). Os termos modelo teórico
de base e a estrutura elementar referem-se ao modelo
elementar teórico representado pelo modelo elementar
gráfico. Desta forma, não é raro
que se refira aos modelos elementares gráficos
como estrutura elementar ou modelo teórico de
base.
(50) N.T.: o termo utilizado pelo autor em francês
é desserrement.
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